sábado, 1 de junho de 2013

As meninas da Síria IV


Mário Rita



Anjo triste
Anjo puro
Anjo que dormes nos umbrais
Anjo das manhãs
Anjo que não dormes
Anjo que não desces numa nuvem
Anjo da terra no céu
Anjo da água aspergida
Anjo possível e real ao mesmo tempo
Anjo que bebe a água que não tem
a fórmula química da água
Anjo terreno na tua condição eterna
Anjo que não és só eterno
Anjo que viste os copistas de deus
Escreverem esta tragédia
Anjo que assististe ao fiat
Anjo que te alarmaste quando a
Luz não se acendeu nas escadarias celestes 
Anjo com uma materna face que perdeu o esplendor
Anjo concebido nos desertos sem matéria
Traz a tua vida
Santa solidão é a tua vida
Anjo ser espiritual que enternece
Anjo com um manto tecido nos teares eternos
Anjo que tens um sorriso incorpóreo
Que desafia a física nuclear
Nada explode em ti
Nenhuma partícula se perde
Anjo que te separas da matéria
Por uma homeóstase
Anjo que só vês escuridão
Sem um único ponto luminoso que sobressaia
Sem tréguas o teu coração volta-se para o céu
E rezas uma prece infinita
Noites a fio vês as meninas e as suas mães
Sem que possas ser visto
A tua dor não conhece os limites
Anjo que não bebes água por nenhum copo
Anjo que prodigalizas o ser em completo recolhimento
Tão alheado do corpo que outrora te conteve
Pudesses tu salvar as meninas da Síria